Estava eu saindo pela porta do quintal de casa quando percebi uma Nezara viridula – ou bicho-frade, ou maria-fedida, ou panilha – cruzando meu caminho. Verdinho como o meu Palmeiras e medindo menos de um centímetro, o bichinho caminhava despreocupadamente ao sol do poente, em linha reta, passadas regulares, sem pressa.
Dei ordem mental às pernas para que desviassem sua rota e evitassem qualquer risco ao transeunte, mas, quando passava o pé direito por sobre a perna esquerda, um leve esbarrão desestabilizou o chinelo, uma havaianas tamanho 43/44, que, pimba!, caiu bem em cima da vítima inocente.
Tudo bem, não foi por querer. Foi um acidente fatal, um homicídio culposo. Está em minha formação proteger a fauna e a flora, principalmente bichinhos milimétricos, mas…
A dor pelo acontecimento é claro que sobreveio a seguir, mas a preocupação é outra: eu estava tomando todo o cuidado para que o bichinho passasse incólume sob mim, eu havia estabelecido que passaria por sobre ele sem ameaçá-lo, que o deixaria prosseguir alegremente em seu caminho, sei lá para onde, mas um comportamento desajeitado de ambas as pernas acabou em tragédia. E o bichinho nem sabe o que o atingiu.
Isso – a falta de destreza, a inabilidade – também poderia ser considerado apenas uma infelicidade, um infortúnio, uma desventura, mas aconteceu exatamente um dia depois de eu ter um episódio de fúria por causa dos pequenos acidentes domésticos que estão acontecendo justamente porque quem os provoca está perdendo a coordenação total de seus movimentos. Foram três em seguida, e nem vale a pena descrevê-los.
Sempre fui desajeitado, e deveria estar acostumado a isso, mas minha descoordenação passou dos limites! Quando se é jovem, ser desastrado chega a ser engraçado. E até pode render uma carreira – vide Os Três Patetas e Os Trapalhões – mas perde a graça quando você começa a ver isso como sua própria desconstrução física e mental. Você está ficando velho, é inevitável, e daqui a pouco você vai ser aquele traste que não faz nada direito, quebra coisas, quebra o fêmur, cai da banqueta quando está cortando as unhas no banheiro, quase decepa o dedo quando está descascando laranjas…
Você passa a ser uma ameaça aos outros e a si próprio, e isso não é nada engraçado. É duro ter consciência de que você está perdendo sua destreza básica. No meu caso, a única forma de reagir é tendo episódios de fúria, ódio contra minha própria incapacidade de ser uma pessoa normal – não um inarredável perigo ambulante. Isso não resolve nada, é claro! Mas é o que se apresenta a mim a cada episódio!
Em contrapartida, o resto de mim continua normal: prossigo escrevendo, fazendo meus pratos de comida, minhas pizzas, continuo lendo muito, minha memória ainda funciona muito bem, minha criatividade não arrefeceu. Poderia até deixar a aposentadoria e voltar a trabalhar…
Contanto que não fosse perto de algum botão que, acionado a partir de um tropeção, deflagrasse a guerra nuclear!