À espera do cometa

Vi numa postagem do Instagram que vou ter 105 anos quando o cometa Halley passar novamente ao alcance do olhar de nós, pobres terráqueos. Não o vi quando nos visitou em 1986. Será que estarei vivo quando me for dada essa nova chance, em 2061?

Fácil: basta não morrer, como simplificou certa vez um mineirinho centenário, quando a repórter perguntou qual o segredo para chegar aos cem anos. Também acho que a fórmula da longevidade é basicamente fazer aniversário todos os anos. Mas não é tão simples. Embora, com honrosas exceções, ninguém gostaria de morrer, o que fazemos para mantermo-nos vivos?

A colunista Becky Korich definiu o comportamento humano em relação à vida como um grande paradoxo: “Sabemos que teremos um fim, mas vivemos como se fosse para sempre, como se o tempo fosse uma fonte inesgotável. É a fórmula automática que encontramos para nos defender da ideia, que humanamente parece terrível, de que somos mortais.”

O ser humano se apega a vida como se apega às coisas materiais. Mas, da mesma forma como cuida das coisas materiais, não lhe dedica os necessários cuidados. Bebe, fuma, engorda, come qualquer porcaria, envenena a água que bebe, descarta toneladas de lixo indevidamente, manda seus plásticos para fazerem companhia aos habitantes dos oceanos, queima combustíveis que acabam com a proteção da atmosfera, desmata, incendeia, destrói a natureza…

Parafraseando Becky Korich, o homem age como se o Planeta Terra fosse uma fonte inesgotável. E isso depois de ouvir incontáveis vezes os alertas que vêm sendo feitos há décadas. Não é por desconhecimento, pois. É por incúria.

“O segredo da longevidade é saber viver bem, para não morrermos antes do nosso fim”, ensina a colunista. Ou seja, “é só não morrer antes de morrer”.

O negócio é, pois, saber viver. Desgastar-se menos do que o desnecessário. Cuidar-se, e cuidar do planeta, mais do que o necessário. Dar sentido a manter-se vivo, e manter-se vivo. Ah, e fazer aniversário todos os anos!

“É só não adiar a vida para amanhã. É só buscar significado todos os dias. É só escolher em quais brigas entrar e pelo que vale lutar. É só procurar motivos pelos quais a vida continua a valer a pena. É só ficar no meio de pessoas que nos fazem bem. É só ter amigos. É só ter amores. É conseguir ‘só’ tudo isso.”

Em tempo: gosto dos textos da Becky, mas um deles, em especial, acendeu meu sistema de alerta – foi quando ela pediu perdão por ter votado em Bolsonaro.

“Enquanto formalizo a presente confissão, meus batimentos cardíacos se apressam. É vergonha com raiva, com arrependimento, com sentimento de culpa. Raiva de mim, muita raiva dele”.

“Peço-lhes apenas que não me julguem. Leio jornais, sou mulher direita, mãe de família e não estava sob efeito de drogas no fatídico outubro de 2018. E é justamente isso que agrava a minha culpa.”

Arrependeu-se, sim, mas perdeu pontinhos preciosos comigo por chegar a cometer esse crime!

Marco Antonio Zanfra

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